segunda-feira, 27 de abril de 2015

Sobre a participação e ME ou EPP e o limite de R$ 80.000,00. Por item ou pelo valor global?

Um órgão da AGU (o DECOR), responsável pela uniformização da jurisprudência administrativa e emissão de orientações, com a NOTA DECOR/CGU/AGU nº 356/2008-PCN firmou entendimento no sentido da exclusividade da participação de ME ou EPP nos itens licitados inferiores a quantia de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), mesmo quando o valor total da licitação fosse superior ao montante previsto no dispositivo legal, como se pode ver do seguinte trecho de tal manifestação:

“35. Em face do exposto, opina-se no seguinte sentido:

a) A aferição do patamar de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) deve se pautar nas seguintes orientações:

a.1) caso o item seja da mesma espécie, mas possa ser dividido em parcelas, sempre que se demonstre técnica e economicamente viável (art. 5° do Decreto n.o 3.931/01), deverá ser levado em conta cada parcela para aferir tal patamar;

a .2) caso o item seja composto por componentes de diversas espécies, e se opte por reunir em lotes separados por linha de produto, o patamar deverá ser aferido por linha de produto.”

A esse respeito o TCU, com o Ac. 3.771/2011-Primeira Câmara, reconheceu que o limite de R$ 80.000,00 aplica-se a cada item da licitação e não ao valor global da licitação. No julgamento, o TCU entendeu que os diversos itens da licitação constituíram várias licitações distintas e independentes entre si.

No mesmo sentido, o TRF/5ª Região reconheceu a legalidade da conduta administrativa que, em licitação na modalidade pregão eletrônico, contemplou a participação exclusiva de microempresas na competição por itens, desde que observado o teto legal, conforme aresto que a seguir se transcreve:

“ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO TIPO MENOR PREÇO POR ITEM. EXISTÊNCIA DE VÁRIAS FAIXA DE CONCORRÊNCIA INDEPENDENTES E AUTÔNOMAS ENTRE SI. PARTICIPAÇÃO EXCLUSIVA DE MICROEMPRESAS, EMPRESAS DE PEQUENO PORTE E SOCIEDADES COOPERATIVAS. VALOR DE CADA ITEM NÃO EXCEDE O TETO PREVISTO NA LEI COMPLEMENTAR Nº 123/06. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Agravo de instrumento desafiado contra decisão que determinou a participação da parte agravada na licitação atinente ao Processo Administrativo nº 63064.000019/2009-89 - Edital de Licitação nº 04/2009, modalidade Pregão Eletrônico - salvo se por outro motivo deva ser excluída ou desqualificada. 2. Licitação do tipo "MENOR PREÇO POR ITEM" na qual - embora seu valor global (R$ 1.002.487,54) exceda o limite previsto na Lei Complementar nº 123/06 (R$ 80.000,00) para ser assegurada a participação exclusiva das microempresas, empresas de pequeno porte e sociedades cooperativas - observa-se que foram estabelecidas várias faixas de concorrência autônomas entre si, sendo, assim, cada item cotado substancialmente independente dos demais. 3. Existência de várias licitações distintas e independentes entre si, cujo valor não excede o teto previsto na Lei Complementar nº 123/06, o que é corroborado, para exemplificar, pelo disposto no item 20.1, segundo o qual "cada contrato firmado com a fornecedora terá vigência pelo prazo de 15 (quinze) dias, a partir da retirada da Nota de Empenho, nos termos do art. 57, da Lei nº 8.666/93". 4. Inobstante na hipótese em apreço exista uma limitação à livre concorrência, prestigia-se o preceito constitucional insculpido no art. 170, IX, que assegura "tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País", as quais, sem essa garantia, não teriam oportunidade de contratar com a Administração Pública. 5. Agravo de instrumento provido.” [AGI nº 104017 (0000319-40.2010.4.05.0000)].

Mas, em 2011, o DECOR/AGU, com o Parecer nº 059/2011/DECOR/CGU/AGU, mudou o entendimento anteriormente adotado, para manifestar-se no sentido de que deve ser considerado o valor total do certame para a reserva do objeto às microempresas e empresas de pequeno porte, sob o fundamento que o fracionamento não pode ser utilizado como instrumento de deturpação da regra contida no art. 6º do Decreto nº 6.204/2007. Para o DECOR, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, caso ultrapassado tal teto, deveria ceder em favor da isonomia e da maior vantajosidade para a administração.

Nessa esteira de raciocínio, em defesa de que deve ser considerado o valor total do certame para a reserva do objeto às microempresas e empresas de pequeno porte, Rodrigo Cesar Aguiar Vivas (in http://jus.com.br/artigos/24450) entende que “tendo por espeque uma interpretação sistemática da legislação vigente sobre o tema, bem como para se evitar tentativas de fraudes a ampla participação no certame licitatório por meio de fracionamento ardiloso do objeto, deve o teto de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) tomar por base a soma total dos itens licitados, em raciocínio análogo ao previsto para o art. 23 § 5º da Lei 8666/1993”.

Mudando de posição, uma vez mais, a AGU, com a Orientação Normativa nº 47, recomendando a adoção da participação exclusiva de microempresa, empresa de pequeno porte ou sociedade cooperativa em relação aos itens ou grupos de itens cujo valor seja igual ou inferior a R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), assim definiu: "EM LICITAÇÃO DIVIDIDA EM ITENS OU LOTES/GRUPOS, DEVERÁ SER ADOTADA A PARTICIPAÇÃO EXCLUSIVA DE MICROEMPRESA, EMPRESA DE PEQUENO PORTE OU SOCIEDADE COOPERATIVA (ART. 34 DA LEI Nº 11.488, DE 2007) EM RELAÇÃO AOS ITENS OU LOTES/GRUPOS CUJO VALOR SEJA IGUAL OU INFERIOR A R$ 80.000,00 (OITENTA MIL REAIS), DESDE QUE NÃO HAJA A SUBSUNÇÃO A QUAISQUER DAS SITUAÇÕES PREVISTAS PELO ART. 9º DO DECRETO Nº 6.204, DE 2007".

Via de regra, sabe-se que as contratações de compras, serviços e obras da Administração Pública devem ser divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, em conformidade com o art. 23, §1º da Lei nº 8.666/1993. Transcreve-se tal dispositivo: “As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala”.

Dito isso, e em casos em que haja viabilidade técnica e econômica, qualquer contratação deve ser dividida em contratações menores, de forma a possibilitar maior competitividade e melhor aproveitamento das oportunidades do mercado, decorrendo daí, ao menos presumivelmente, mais vantagem para a Administração.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog

Quem sou eu

Minha foto
Advogado, palestrante, professor especialista em Direito Administrativo (com ênfase na matéria licitações públicas e concursos públicos), escritor e Doutor no Curso de "Doctorado en Ciencias Jurídicas y Sociales" da UMSA - Universidad del Museo Social Argentino, em Buenos aires. Ex-Coordenador Acadêmico Adjunto do Curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo e Gestão Pública do IMAG/DF - Instituto dos Magistrados do Distrito Federal. Para contatos: Brasília -DF, tel. 61-996046520 - emaildojuan@gmail.com