quinta-feira, 12 de maio de 2011

A indevida exigência da certificação FSC em licitações

FSC é a sigla da expressão em inglês Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal) que corresponde a uma certificação mediante a qual se atesta que a madeira utilizada em determinado produto ou serviço é oriunda de um processo produtivo manejado de forma ecologicamente adequada, socialmente justa e economicamente viável, e no cumprimento de todas as leis vigentes.
Configura uma garantia de origem que serve também para orientar o interessado a escolher um produto diferenciado, com melhor preço, haja vista o valor agregado pela certificação.
Com relação às licitações alguns editais vêm sendo lançados com a exigência, para efeitos de habilitação, de que a licitante demonstre deter a certificação do FSC, o que não nos parece de acordo com a lei.
No Brasil existe o chamado Princípio da Legalidade, definido no inc. II do art. 5º da Constituição Federal, de cujo texto se extrai que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Sabidamente o edital de uma licitação é um mero ato administrativo, por meio do qual não podem ser criadas novas obrigações e exigências. E, conquanto concordemos que é importante a preservação do meio ambiente e que a iniciativa de certificação de produtos e serviços que usem material vegetal de boa origem é de grande relevância, não pode essa argumentação servir para se ultrapassar a barreira da legalidade e impor critérios que não estejam previamente definidos em lei.
De notar que a Lei 8.666 no §5º do art. 30 estabelece vedação a exigências não previstas expressamente em lei e que comprometam a ampla participação dos interessados na licitação. Nesse sentido, o renomado estudioso da matéria licitações Marçal Justen Filho entende que “o edital deverá escolher os requisitos de habilitação, dentre aqueles autorizados por lei.” (in Pregão – Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico, Ed. Dialética, 5ª ed., 2009, p. 335).
Assim, veja-se, por exemplo, o caso de uma licitação em que se pretende adquirir um produto ou contratar um serviço que não envolva maior complexidade. É bem possível que o conjunto de exigências feitas para a obtenção de um certificado FSC nada tenham a ver com a futura contratação, com o que se estará a reduzir o universo de licitantes. Aliás, de regra, o aumento dos requisitos de habilitação produz como conseqüência direta um efeito de redução do universo de licitantes.
O mesmo raciocínio que ora se faz a respeito da exigência do FSC se aplica aos casos em que se exige a certificação ISO 9000, ponto a respeito do qual há ampla manifestação do TCU e do Judiciário.
O TCU entende que “a exigência de certificações técnicas não pode ser empregada como critério de habilitação em licitação” (Ac. 512/2009, Plenário). E, ainda, que “as exigências de certificação ISO e de registro no INPI, quando necessárias, somente devem ser estipuladas como critério classificatório, sem que seja possível sua utilização como requisito eliminatório” (Ac. 173/2006-P/TCU), estabelecendo-se, no AC 1612/08-P/TCU, que, nem a exigência do ISO e nem outras semelhantes sejam empregadas como exigências para habilitação ou como critério para desclassificação de propostas.
É que uma exigência de certificação como essas (ISO ou FSC) restringe o caráter competitivo do certame ao definir uma pontuação às empresas que apresentarem tal certificação, porque a licitante poderá preencher todos os requisitos do certame sem possuir tal certificação, como foi o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (DF) no julgamento da AC 2000.34.00.027652-6.
Discorrendo sobre a inviabilidade da exigência da certificação ISO 9000, Marçal Justen Filho opina que “o essencial não é a certificação formal, mas o preenchimento dos requisitos necessários à satisfação dos interesses colocados sob tutela do Estado. Se o sujeito preenche os requisitos, mas não dispões da certificação, não pode ser impedido de participar do certame”. (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Ed. Dialética, 11ª ed., 2005, p. 339).
Para finalizar, ainda com fundamento nesse afamado estudioso cumpre entender que: “Na linha de proibir cláusulas desarrazoadas, estabeleceu-se que somente podem ser previstas no ato convocatório exigências autorizadas na Lei nº 8.666 (art. 30, §5º). Portanto, excluídas tanto as cláusulas expressamente reprovadas pela Lei nº 8.666 como aquelas não expressamente por ela permitidas.” (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Ed. Dialética, 11ª ed., 2005, p. 335).
Importante também dizer que, em razão de alteração promovida pela Lei 12.349/10, incluiu-se no caput do art. 3º da Lei 8.666 que a licitação deve promover o desenvolvimento nacional sustentável. Mas, quando se busca nos arts. 27 a 31 da Lei – que tratam das exigências para efeito de qualificação técnica –, não se encontram quaisquer alterações ou dispositivos que apontem numa novel exigência de tais certificações. Vale recordar que só se pode exigir dos licitantes o que constar de lei.
E, embora constem tais preocupações em atos administrativos (portanto, atos infralegais, não obrigatórios, pois que não são leis), como a IN 01/2010 da SLTI/MPOG ou o Guia de Compras Públicas Sustentáveis para a Administração Federal/MPOG, não há como considerar que possam validamente figurar exigências em editais de licitação relativas a certificações como o ISO 9000 ou o FSC para efeito de habilitação. Para o caso de uma demanda judicial em que se ataque esse tipo de exigência, esse seria o núcleo da discussão.
Dessa forma, em conclusão, especialmente com fundamento no Princípio da Legalidade, e apesar da importância do merecido respeito ao meio ambiente, entendemos que não pode ser feita a exigência da certificação FSC para participação ou habilitação técnica em licitações, sob pena de o Poder Público enfrentar questionamentos e anulação de uma disposição editalícia nesse sentido.

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Advogado, palestrante, professor especialista em Direito Administrativo (com ênfase na matéria licitações públicas e concursos públicos), escritor e Doutor no Curso de "Doctorado en Ciencias Jurídicas y Sociales" da UMSA - Universidad del Museo Social Argentino, em Buenos aires. Ex-Coordenador Acadêmico Adjunto do Curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo e Gestão Pública do IMAG/DF - Instituto dos Magistrados do Distrito Federal. Para contatos: Brasília -DF, tel. 61-996046520 - emaildojuan@gmail.com