quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Teoria da perda de uma chance: indenização por cancelamento de curso em favor de candidata aprovada no vestibular

O TRF/1ª Região, sediado no Distrito Federal, julgou um caso relativa ao tema PERDA DE UMA CHANCE em favor de candidata que foi aprovada em vestibular e, antes de iniciar o curso, viu tal curso cancelado.

O voto do Relator, Desembargador Jirar Meguerian, foi seguido à unanimidade pelos demais Desembargadores da Turma.

Partes do voto desse Relator a seguir se apresentam:

“Trata-se de recurso de apelação interposto pelo CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLOGICA DO PARA - CEFET/PA em face de sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Santarém/PA, fls. 99/104, que julgou procedentes os pedidos formulados por MARIA DA SAUDE NORONHA COSTA, condenando a recorrente e o MUNICÍPIO DE ITAITUBA ao pagamento de R$ 12.000,00 (doze mil reais) a título de indenização por danos morais e R$ 25,00 (vinte e cinco reais) a título de indenização por danos materiais, cada um dos réus, além de honorários advocatícios fixados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). ...

O Exmo. Sr. Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN (Relator): ...

O ponto controvertido da presente demanda consiste em verificar a possibilidade de pagamento de danos morais e materiais a candidata aprovada em concurso vestibular na hipótese de cancelamento do curso antes do início das aulas.

2. Compulsando os autos, verifico que o CEFET/PA e o Município de Itaituba firmaram convênio prevendo a implantação de Programa Especial de Mútua Cooperação Técnico-Educacional e Cultural nos Campos de Educação, Pesquisa, Extensão e Financeiro, do qual resultou a realização de concurso vestibular para o curso superior de Tecnologia em Saúde Pública, a ser instalado no município de Itaituba, com a disponibilização de 80 (oitenta) vagas (fl. 24). A autora, ora apelada, foi devidamente aprovada no certame. 3. Os fatos restaram incontroversos, na medida em que o CEFET se limita a negar a existência de dano moral decorrente do cancelamento do curso, imputando a culpa exclusivamente ao município, que teria descumprido suas obrigações contratuais no que concerne à infraestrutura básica, material para desenvolvimento dos cursos, salas de aula, equipamentos, laboratórios, biblioteca, transporte e diárias para manutenção dos professores. Defende que não houve qualquer dano, pois se trataria de hipótese de mera frustração de expectativa.

4. Em que pesem os argumentos utilizados pelo órgão público, todavia, entendo que sua insatisfação não merece prosperar.

5. No caso vertente, verifica-se que a autora, moradora de pequeno município do interior do Pará desprovido de cursos de ensino superior, logrou aprovação em concurso vestibular legitimamente divulgado e realizado por ente público. Ao ser aprovada, surgiu para a ora apelada a expectativa de mudança de suas condições de vida mediante a participação em curso de graduação e a frustração de tal expectativa ante o cancelamento do curso certamente ocasionou abalo psicológico e diminuição de sua autoestima.

6. Entendo que o presente caso amolda-se à teoria da perda de uma chance que, segundo entendimento do STJ: A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. (REsp 1.190.180/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 22/11/2010).

7. A hipótese ora discutida se enquadra perfeitamente à teoria acima descrita, na medida em que a candidata foi devidamente aprovada em concurso vestibular e teve sua possibilidade de ingressar no ensino superior público e gratuito ante o cancelamento indevido do curso em questão.

8. A frustração decorrente do cancelamento do curso não se situa no plano dos dissabores insuscetíveis de causar dano moral. Causa considerável abalo psíquico, na medida em que depositadas esperanças de, mediante a participação em curso de ensino superior, da conquista de emprego mais bem remunerado, o que reflete nas condições de vida de toda a família. ...

No caso em tela, onde foi cancelada a realização de curso superior para o qual a apelada já tinha sido aprovada em concurso vestibular realizado em decorrência de convênio firmado entre o CEFET/PA e o município de Itaituba, creio que a quantia de R$ 12.000,00 para cada um dos entes públicos é bastante ao atendimento dos requisitos acima expostos (sanção e reparação). Ambos serão punidos pelo cancelamento indevido e a candidata, a seu turno, ver-se-á compensada pelo fato de não ter participado do curso almejado. ...

Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso e determino, no que diz respeito à condenação à indenização por danos materiais, a fluência de correção monetária e juros de mora a contar da data do evento danoso (Súmula nº 43, STJ e art. 398, CC), e quanto à indenização por danos morais, a fluência dos juros de mora a contar do evento danoso e de juros de mora a contar de sua fixação (Súmulas nº 54 e 362, STJ); o cálculo dos juros de mora deverá levar em consideração o art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, observado o início de sua vigência; e no que diz respeito à correção monetária, deve incidir sobre o pleito indenizatório o IPCA-E, conforme entendimento consolidado pelo E. STF no julgamento do RE 870947. Reconheço, ainda, isenção de custas aos recorrente, nos termos do art. 4º, I da Lei nº 9.289/96.”

“ACÓRDÃO. Decide a Sexta Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação. Sexta Turma do TRF da 1ª Região – 20.11.2017.”

(Proc.: 0001183-33.2004.4.01.3902; APELAÇÃO CÍVEL N. 2004.39.02.001182-6/PA).

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Advogado, palestrante, professor especialista em Direito Administrativo (com ênfase na matéria licitações públicas e concursos públicos), escritor e Doutor no Curso de "Doctorado en Ciencias Jurídicas y Sociales" da UMSA - Universidad del Museo Social Argentino, em Buenos aires. Ex-Coordenador Acadêmico Adjunto do Curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo e Gestão Pública do IMAG/DF - Instituto dos Magistrados do Distrito Federal. Para contatos: Brasília -DF, tel. 61-996046520 - emaildojuan@gmail.com