segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Uma lição do STJ sobre equilíbrio econômico-financeiro dos contratos

Ao analisar questão atinente ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, posta em Recurso Especial por uma empresa, o STJ se manifestou com uma completa lição sobre o assunto, que deve interessar a todos os que militam na área de licitações (empresas e profissionais).
Esse Tribunal assim decidiu (embora o extenso texto, vale ler cada palavra com bastante atenção):
“1. A questão sob exame não é nova nesta Corte Superior, tratando da aplicação da teoria da imprevisão a contratos administrativos, para fins de restaurar o equilíbrio econômico-financeiro da avença, em razão dos aumentos da carga tributária e de despesas com empregados (este derivado de acordo coletivo).
2. Inicialmente, em relação ao aumento de contribuições previdenciárias, não custa lembrar que o § 5º do art. 65 da Lei de Licitações e Contratos - ao dispor que "[q]uaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos [...] implicarão a revisão destes [os contratos] para mais ou para menos, conforme o caso". Daí porque, ao menos em tese, é devido o reequilíbrio econômico-financeiro nas hipóteses de elevação da carga tributária.
3. Já no que tange ao aumento das despesas com empregados, consagrou-se o entendimento, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que se trata de fato previsível se a elevação dos encargos trabalhistas resultar de acordo coletivo.
4. Essa é a lógica aplicada para aumentos de salários e, com muito mais razão, deveria ser aqui aplicada, porque se trata de simples elevação do quantitativo de vales-alimentação (o que, por óbvio, causa menor impacto econômico-financeiro do que o aumento de salário).
5. No caso concreto, contudo, há uma peculiaridade que me parece afastar por completo o dever de reequilibrar econômica e financeiramente o contrato imposto ao recorrente pela instância ordinária.
6. É que, conforme narrado no acórdão combatido, o contrato administrativo inicialmente celebrado sofreu dois aditivos, um que modificou o preço original do objeto e o período de vigência do contrato e outro que apenas tinha em conta a prorrogação do contrato. Em nenhum deles discutiu-se a elevação dos encargos tributários e trabalhistas.
7. Muito se discute, atualmente, sobre os influxos da boa-fé objetiva no âmbito da Administração Pública, mas com largo enfoque nas condutas do Poder Público. Este aspecto ganha maior relevância porque a Lei n. 8.666/93 já confere uma série de prerrogativas à Administração, motivo pelo qual existe uma tendência em se querer igualar as forças dela à dos particular, sob o pálio da boa-fé objetiva.
8. Ocorre que é preciso ter cuidado para que, na tentativa de corrigir uma dita assimetria, não se acabe gerando outra. É preciso insistir em também analisar as condutas contratuais dos particulares sob a ótica desse princípio hoje bastante doutrinariamente.
9. Veja-se: na espécie, o período original de vigência do contrato era de 24.9.1997 a 24.9.1999. Esse período foi prorrogado por um aditivo até 24.9.2000 (ou seja, prorrogação por mais um ano). Além disso, este aditivo previu o aumento do preço do objeto. Veio a ser realizado, depois, um outro aditivo, este prorrogando o período de vigência do contrato até 24.3.2001.
10. Agora, judicialmente, o particular pede que se chancele a necessidade de revisitação dos termos contratuais, para corrigir distorções criadas, consideradas estas imprevisíveis e de efeitos incalculáveis à época dos aditivos.
11. Já se sabe que esta Corte Superior descarta a imprevisibilidade de aumento dos encargos trabalhistas derivados de acordos coletivos.
Sobre o ponto, não recaem maiores controvérsias, cabendo a referência (meramente exemplificativa) a alguns julgados: REsp 134.797/DF, Rel. Min. Paulo Gallotti, Segunda Turma, DJU 1.8.2000;
REsp 471.544/Sp, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJU 16.6.2003;
e AgRg no REsp 417.989/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 24.3.2009.
12. Quanto ao aumento da Cofins - a outra causa de pedir da empresa recorrida -, importante relembrar trata-se de fato que decorreu de uma lei editada em 1998, com efeitos a partir de 1999 - antes, portanto, do segundo aditivo, celebrado em 2000.
13. Portanto, se o agravamento dos encargos tributários foi anterior ao segundo aditivo, não há que se falar em aplicação do art. 65, inc. II, alínea "d", da Lei n. 8.666/93, uma vez que não há imprevisibilidade do fato e de suas conseqüências, pois, para tanto, é necessário que a situação seja futura, nunca atual ou pretérita (daí o uso do verbo "sobrevier").
14. Também não cabe a aplicação do § 5º do art. 65 da Lei de Licitações e Contratos porque, na hipótese em exame, o tributo não foi criado, alterado ou extinto depois da apresentação da proposta do aditivo, mas sim antes.
15. Aliás, por fim, tendo em conta que (i) a Lei n. 9.718/98 (a qual foi responsável pelo reajuste da alíquota da Cofins) entrou em vigor em 1999 e (ii) o primeiro aditivo celebrado entre as partes reajustou o preço do objeto do contrato em setembro/1999, muito provavelmente a parte recorrida já foi ressarcida pela Administração no que diz respeito ao aumento dos encargos tributários (por ocasião do primeiro aditivo).
16. Recurso especial provido.
(REsp 776.790/AC, julgado em 15/10/2009).

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Advogado, palestrante, professor especialista em Direito Administrativo (com ênfase na matéria licitações públicas e concursos públicos), escritor e Doutor no Curso de "Doctorado en Ciencias Jurídicas y Sociales" da UMSA - Universidad del Museo Social Argentino, em Buenos aires. Ex-Coordenador Acadêmico Adjunto do Curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo e Gestão Pública do IMAG/DF - Instituto dos Magistrados do Distrito Federal. Para contatos: Brasília -DF, tel. 61-996046520 - emaildojuan@gmail.com